RIM, Eduardo Haak

Fizemos sexo sem proteção e Lurdes engravidou. Ela me escreveu dizendo, preciso de dinheiro para o aborto.

 

Quando Lurdes vem me ver sempre traz mantimentos, enlatados, ração para o Édipo (manco de uma pata), pequenas despesas que ela acrescenta às compras semanais de casa.
Sei que o dinheiro dela está todo em conta conjunta com o marido, Lurdes não poderia fazer uma despesa grande sem que o sujeito percebesse, vou ter que me virar.

 

O que leva uma mulher casada a se envolver com um mágico desempregado de cinquenta anos? Não tenho mais nada para vender, não quero saber de agiotas, conheço um médico que faz comércio de órgãos humanos, o doutor Alcebíades, pergunto se ele quer comprar um rim. Digo que tenho urgência e ele concorda em me submeter a uma nefroctomia.

 

Interno-me em sua clínica, uma enfermeira raspa meus pelos do tórax, depois injeta o anestésico. Quando volto do centro cirúrgico Alcebíades diz, campeão, vou ser sincero com você, fiz uma barbeiragem e inutilizei teu rim, não vai dar pra vendê-lo.

 

Exponho meu caso em detalhes, digo que engravidei uma mulher comprometida e que preciso mesmo da grana, Alcebíades diz que vai me arranjar alguém que faça o aborto de graça, que é o mínimo que pode fazer para me indenizar.

 

Dois dias depois volto para casa trazendo meu rim numa caixa de isopor, doutor Alcebíades fez questão que eu trouxesse, ó, pra não dizer que eu te sacaneei, roubei. Então Lurdes me liga e diz que sofreu um aborto espontâneo, que já está com a curetagem marcada, que não preciso mais arranjar dinheiro. Ela diz também que é melhor a gente não se ver mais, não pergunto por que, sei que o que não falta é razão para se abandonar um amante velho e falido.

 

Estou cansado, com dores e decido ir pra cama. Quero pegar no sono logo, mas o Édipo não para de latir, um latido de fome, insistente e irritante. Vou até a cozinha e vasculho os armários, a ração acabou e não tenho nada pra oferecer, se esse cachorro idiota não comer não vai me deixar dormir. Abro a geladeira, pego a caixa de isopor e despejo meu rim em sua cumbuca.



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APARTAMENTOS, um livro de Eduardo Haak

apartamentos (contos, ficção curta) eduardo haak, 2018 (Para navegar pelo livro, use as setas do canto superior esquerdo.)