São nove horas e estou reclinado numa cadeira de fiberglass, na piscina do prédio da Priscila. Estou com meus óculos Ray-Ban Clubmaster e meu walkman está com a rotação diminuída e penso que preciso pôr pilhas novas nele. Fico voltando a introdução de uma faixa dos Ambitious Lovers, que tem um piano legal, na verdade essa introdução no piano é a única parte da música que me interessa. Priscila está com um maiô preto e lê uma dessas revistas femininas, acho que a Cosmopolitan. Eu deveria estar na faculdade, mas vim para o prédio dessa mulher de trinta e seis anos, comissária de bordo da Vasp, que me disse agora há pouco que se eu continuar vivendo como vivo vou acabar virando um desses playboys vagabundos que vivem à custa do pai até os quarenta anos, como se ela realmente se importasse com isso, com o fato de eu estar matriculado no quarto semestre do curso de administração na PUC, embora raramente eu vá às aulas, e como se essa coisa de fazer previsões sobre como serão as coisas daqui a vinte anos fosse um pensamento neutro para ela (daqui a vinte anos, em 2011, Priscila será uma velha de cinquenta e seis).
Acendo um Winston e me sinto um pouco tonto e desvio olhar da superfície ondulante da água. Desligo o walkman. Uma sequência de casas do outro lado da rua está sendo demolida. Penso nas peças de computador que preciso entregar hoje à tarde, o Dimas, o cara de Santos, atrasou, então o serviço todo ficou meio acumulado essa semana. Priscila me pede cigarro e lhe estendo o maço e o isqueiro e então ela diz que não deveria fumar porque grávidas não devem fumar e ela desconfia que esteja grávida e me pergunta, e aí?, eu ajusto os óculos e mordo o cigarro com os dentes incisivos e sorrio para ela. Priscila diz que vai fazer um exame e que abortará se der positivo porque ela não quer ter filho de um rapazinho quinze anos mais novo que ela que cabula as aulas da faculdade para vir comê-la de manhã, sempre de manhã, desde que estamos juntos você não dormiu uma única vez comigo, eu sou seu desjejum, por acaso? Tem iguarias mais interessantes para o almoço e para a janta?
Digo que ela não deve fazer o aborto, penso em contar a história do Andrew, que disse que andava comendo uma mina da MTV, na verdade era só uma telefonista da MTV, e que a menina ficou grávida e abortou e teve um surto psicótico e cismou que deveria sepultar o feto, que batizou de Kurt Vonnegut, e que durante o surto ela teve uma visão em que Jesus vinha até ela e dizia que o túmulo do Kurt deveria ter o epitáfio, fui assassinado por minha mãe. Digo a Priscila que ela não deve fazer o aborto, mas não conto a história do Andrew. Priscila me pergunta, por que não devo fazer o aborto?, eu respondo apenas, porque não deve, Priscila solta um riso duro, seco, cheio de amargor.
Subimos ao apartamento para Priscila tomar banho e se arrumar, mas antes eu a como de novo e ejaculo em suas costas e lubrifico meu dedo com esperma e enfio o dedo lubrificado no seu cu enquanto ela se masturba com um vibrador clitoriano. Ouço-a entrar no chuveiro e fico deitado na cama, olhando para o teto. Coloco meu Ray-Ban Clubmaster e ligo a TV e desligo, e ligo e desligo, e tiro as pilhas do controle remoto e coloco no lugar as pilhas gastas do meu walkman. Abro sua necessaire e pego um Valium 10 mg e tomo metade e guardo a outra metade dento do maço de Winston. Priscila não gosta que eu fume em seu apartamento, então vou à área de serviço e noto que não trouxe o isqueiro e acendo o cigarro no fogão e fico na janela, fumando e olhando para a torre do prédio da MTV.
Seguimos pela Henrique Schaumann no meu Escort XR-3. O trânsito piora na Brasil e na Pedro Álvares Cabral e na Rubem Berta e vai mais ou menos lento até o aeroporto. Eu fico voltando a fita na introdução da música dos Ambitious Lovers e Priscila se irrita com isso, por que você nunca deixa uma música tocar inteira? Penso em dizer que só pedaços da maioria das coisas merecem nossa atenção, mas acho que Priscila pode tomar isso como um comentário dirigido diretamente a ela e resolvo não dizer.
Estou com um cigarro apagado nos lábios, Priscila também não gosta que eu fume no carro para não pegar o cheiro em suas roupas.
Estaciono e vejo uma placa amarela onde está escrito check-in, arrivals, departures, Priscila diz, pronto, agora vai poder fumar seu cigarrinho sossegado. Damos um beijo na trave para não desmanchar seu batom e ela diz, eu não deveria dizer o que eu te vou dizer, eu deveria deixar você bem encucadinho, sabe?, mas eu sou uma mulher madura demais pra esse tipo de jogo. Minha menstruação desceu. No banho.
Assinto com a cabeça. Volto a introdução da música dos Ambitious Lovers e coloco o cigarro atrás da orelha e pergunto por que ela acha que deveria ter me ocultado isso, me deixando preocupado a respeito da possível gravidez.
Priscila responde, porque você não merece desafogo, moleque. Espero que ela diga mais alguma coisa, então Priscila tira os óculos de sol da bolsa, um Ray-Ban Olympian que é muito grande para seu rosto, e diz apenas, sabe, Edu, eu quero que você se foda. Ela desce e vejo-a entrar no saguão de Congonhas, CGH. Eu tiro os óculos, mas a luminosidade do dia está ofuscante demais – tudo está ofuscante demais –, então os coloco de novo. Um Electra da Varig se aproxima e espero para ver se ele não vai explodir no pouso. Desligo o toca-fitas, engato o carro e entro no fluxo da Washington Luís.
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