Saio da sacristia e entro no confessionário. Ouço confissões por quarenta minutos e concedo perdão sacramental a cinco mulheres, que agora estão sem pecado e que se morressem ao sair da igreja, atropeladas por um carro ou degoladas pelos viciados que se ajuntam num terreno aqui próximo, gozariam da eterna bem-aventurança. Mas sei que ainda hoje elas cometerão novos pecados, pecados medíocres de velhas idiotas que passam o dia vendo TV. Isso me enche de desânimo, pois me dá a sensação de que o trabalho que faço é inútil.
Em doze anos de sacerdócio eu ouvi a confissão de um único grande pecado, uma jovem que me disse ter matado e ocultado o cadáver da filha recém-nascida, filha essa gerada num relacionamento extraconjugal. Creio ter conseguido aliviá-la um pouco do terrível remorso, seu arrependimento era dilacerador e sincero, aquela criatura infeliz compreendia o significado profundo da vida cristã, inclusive foi meditando sobre sua história que notei que eu também estava me tornando um pecador medíocre, um homem que aos poucos estava sendo idiotizado pelas circunstâncias, um mundo obtuso de velhas noveleiras, padres efeminados, assistentes sociais, noias, teólogos da libertação.
Vou com alguns leigos levar mantimentos e roupas para os viciados que ocupam o terreno da prefeitura colado aqui à paróquia. A degradação causada pela presença deles é patente, furtos e roubos têm sido comuns na região, a própria igreja sofreu uma tentativa de assalto. Sei que boa parte do que estamos doando, comida, roupas, itens de higiene, serão trocados por pedras de crack e sei também que muitas pessoas na cidade nos acusam de sermos complacentes com esses vagabundos que se dizem doentes, virou moda agora dizer que dependência química é doença, doença porra nenhuma, o sujeito se droga porque quer, tinha mais é que exterminar essa cambada toda, botar todo mundo no paredão e meter bala, rá-tá-tá-tá-tá-tá.
De volta à igreja recolho-me ao quarto antes de ir ouvir novas confissões. Abro o livro Juízes e leio algumas vezes o trecho em que Sansão, o décimo terceiro juiz de Israel, mata mil filisteus usando uma queixada de jumento. Meu telefone faz barulho, eu olho, é mais uma mensagem da fiel que está apaixonada por mim e que tem me mandado fotos em que aparece nua. Deleto a mensagem, fazer sexo com ela não faria de mim um grande pecador, a fornicação é um dos atos mais medíocres que tem, ainda mais quando praticado com mulheres insignificantes como ela.
Volto ao confessionário e ouço a confissão de uma das velhas estúpidas que passam os dias vendo TV. Concedo-lhe o perdão sacramental, então puxo minha arma de dentro da batina e disparo contra seu crânio. O tiro arranca parte do osso occipital e deixa ali um buraco por onde sai grande quantidade de massa encefálica e sangue. Olho para o corpo inerte da fiel e penso, agora eu não sou mais um pecador medíocre. E meu trabalho não é inútil, pois cumpri à risca a tarefa de salvar almas que me foi confiada.
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