Quando ficou viúva Violeta aprendeu a mexer no computador. Raul, seu marido, dizia que ela era burra e que nunca iria aprender, nem tirar carta você conseguiu, eu tive que comprar sua habilitação, lembra?, seu diploma de madureza também foi comprado, esqueça, madame, computador não é pro seu bico, quem sabe na próxima encarnação.
Violeta jamais quis dirigir, foi o marido que cismou com essa coisa de carro, as mulheres todas de seus colegas dirigiam e ele, orgulhoso, não podia ficar atrás, o diploma do supletivo também foi decisão dele, Violeta nunca se incomodou com a própria falta de educação formal, ela sempre gostou de ler, inclusive aprendeu a falar inglês sozinha.
As décadas de humilhações e maus-tratos a que Raul a submeteu, contudo, não deixou Violeta rancorosa, ela cuidou pacientemente dele durante sua doença, com pouca ou nenhuma ajuda das duas filhas, fato que ela também encarou sem mágoa.
Passadas algumas semanas da morte do marido finalmente Violeta começou a mexer no computador. Logo entendeu como a máquina funcionava, navegador, buscador, login e senha, o conhecimento todo acumulado pela humanidade acessível a um toque de dedos, aos setenta e nove anos ela estava descobrindo o fascinante mundo da internet, seus dias passaram a ser ocupados com mensagens de e-mail, vídeos, cursos on-line.
Silmara e Sônia apareceram no apartamento, mamãe, nós queremos falar uma coisa com a senhora, desde que o papai morreu a senhora está muito sozinha, aqui, nesse apartamento, e a gente fica preocupada, sabe, a senhora não é mais nenhuma criança, e se a senhora tem um mal-estar e não tem ninguém pra socorrer?, então, nós pensamos que seria melhor que a senhora fosse morar numa casa de repouso, nós até já andamos vendo umas, tem umas ótimas, com quarto privativo e tudo, a senhora vai gostar, a senhora vai ver.
Talvez Violeta tenha feito vista grossa por muito tempo para o fato de as filhas serem pessoas más e dissimuladas. Na verdade, a repugnância que há muito sentia por elas eclodiu, numa epifania. A insistência no assunto casa de repouso significava que elas queriam vender o apartamento e dividir o dinheiro. Silmara tinha mania de comprar bolsas e sapatos, Sônia viajava todo ano para a Europa, nisso elas saíram ao pai, o Raul só pensava em dinheiro, embora o cretino não tenha conseguido acumular muito, seus únicos bens quando morreu eram o apartamento e um sítio em Ibiúna com impostos atrasados.
O horror e o desgosto de se dar conta de que havia colocado no mundo duas criaturas tão ordinárias deprimiu Violeta, por algumas semanas ela mal ligou o computador, a prostração acabou afetando sua saúde, ela teve uma crise de angina e as filhas usaram isso como a cartada final, mamãe, definitivamente a senhora não tem mais condições de morar sozinha, semana que vem nós vamos visitar uma das casas e a senhora vai conosco.
O dia de ir conhecer o asilo finalmente chegou, Silmara e Sônia entraram no apartamento simulando entusiasmo, e aí, mamãe, vamos lá? Violeta respondeu, minutinho, deixa eu desligar meu laptop. As três saíram ao hall e Sônia disse à irmã, tem cada velho bonito lá, né Sil?, acho que a mamãe, bonitona como ela é, logo vai se enrabichar com um.
Descendo no elevador com as filhas, vendo os números mudarem no painel, Violeta pensou, a internet tem mesmo coisas formidáveis. Em sua cintura havia quatro quilos de explosivos que ela havia comprado num site não indexado pelos mecanismos de busca, deep web, etc. Então ela fechou os olhos, emitiu um longo e áspero som nasal e apertou o detonador.
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