DIA DOS NAMORADOS, Eduardo Haak

Paula é dessas mulheres cuja excessiva beleza viola um pouco o princípio da realidade, Fernanda é dessas mulheres cujo magnetismo sexual atua de modo subliminar até que notamos estar completamente enlouquecidos por ela. Comprei de presente de dia dos namorados para Paula, a bela, um par de brincos de topázio e para Fernanda, a magnética, um par de brincos de ametista. Gastei a mesma coisa nos dois presentes, compensei com a quilatagem a diferença de valor entre as pedras.

 

Quando eu era criança meu irmão gêmeo e eu sempre ganhávamos presentes iguais, também usávamos as mesmas roupas e o mesmo corte de cabelo. Eu odiava isso tudo e senti um grande contentamento quando ele ficou careca e emagreceu, parecia que pela primeira vez na vida eu experimentava minha identidade corporal como uma coisa não usurpada, uma coisa que era minha, apenas.

 

Claro que precisei fazer análise, complexo de Caim é um troço sério, um problema que se não for enfrentado é capaz de liquidar completamente o sujeito, você não é culpado por seu irmão ter morrido de leucemia aos quinze anos, etc. Acho que consegui resolver essa questão, o problema que enfrento agora é outro, é o problema elementar de não poder estar em dois lugares ao mesmo tempo, dois jantares românticos de dia dos namorados, a beleza e o magnetismo, Paula e Fernanda. Não tenho mais irmão gêmeo para cogitar uma estratégia doppelgänger, nem sou como aqueles santos da igreja católica que tinham o dom da bilocação. Escolher uma ou outra, Paula ou Fernanda, é inviável, seria até mais factível ir jantar com as duas juntas.

 

Termino de almoçar e decido, vou inventar uma viagem de trabalho, uma viagem para Manaus, daqui a Manaus são cinco horas de voo, não teria como voltar a tempo para comemorar o dia dos namorados. Decido também dormir num hotel, mando mensagens para Paula e Fernanda falando sobre o imprevisto e dizendo que a região amazônica para aonde vou não pega telefone.

 

Consulto a disponibilidade de quartos em hotéis nos Jardins e vejo que estão quase todos cheios, pacotes de comemoração do dia dos namorados, etc. Consigo, por fim, me hospedar num na Rua São Carlos do Pinhal.

 

O quarto é bonito e espaçoso e a vista, embora seja de um andar baixo, me dá boa impressão. Deito-me e leio alguns folhetos que estavam no criado-mudo, um que é um cardápio resumido de um restaurante francês, magret de pato com pera ao vinho, foie gras, etc., outro sobre uma festa que vai haver hoje numa boate na cobertura do hotel, boate cujo nome e logotipo são os de uma companhia aérea já extinta.

 

Quando eu e meu irmão tínhamos treze anos nosso pai arranjou umas mulheres pra nós. A cidade onde estávamos passando férias não tinha motéis, então fomos com as mulheres até o aeroclube, onde havia no hangar a carcaça de um velho DC-3, no qual entramos e permanecemos por uma hora. A mulher que ficou comigo era loira, a que ficou com meu irmão era morena, as duas eram razoavelmente bonitas, bolas de vôlei idênticas, cortes de cabelo iguais, etc.

 

Tomo banho e decido ligar para a dona Haydée, Haydée tem um serviço de acompanhantes, sem divulgação, sem site na internet, o contato é feito por telefone e você só é admitido se for apresentado por algum antigo cliente. As garotas que trabalham para Haydée passam por uma seleção super-rigorosa, Haydée não contrata garotas que tenham tatuagens ou piercings, nem garotas que usem drogas ilegais (exames periódicos para detecção), dona Haydée, é o Maia, Roberto Maia.

 

Haydée me diz que hoje o staff está um pouco desfalcado, que ninguém quer passar o dia dos namorados sozinho, mas que ela vai dar um jeito de mandar alguém para mim lá por sete, oito da noite. Digo que quero pernoite, Haydée diz oui para fazer charme. Desligo e fico ali, deitado, pensando. Às vezes penso no meu irmão e tento imaginar de quem ele gostaria mais, da Paula ou da Fernanda, brincos de topázio ou brincos de ametista, a beleza que viola o princípio da realidade ou o magnetismo insinuante e, por fim, voraz.

 

Embora as garotas da dona Haydée nunca decepcionem totalmente, a última com quem saí não era lá essas coisas. E se eu pedisse duas, só pra garantir? Numa dupla a gente sempre acaba preferindo alguém. Eu já saí com duas garotas da Haydée ao mesmo tempo, as duas eram bonitas, mas tanto uma como outra tinham alguma característica física que me desagradava, uma tinha os olhos muito fundos, a outra tinha os dentes grandes demais. Peguei a que achei menos bonita e levei para a cama e disse para a outra, tire a roupa e finja que você está sendo possuída pelo fantasma do meu irmão, ela disse, o quê?, eu respondi, se encoste na parede e se toque e vá sussurrando, Marceeelo, isso-Marcelo, ela obedeceu e tirou a roupa e começou a se masturbar dizendo, isso-Marcelo, vai-Marcelo, etc.

 

Dia dos namorados, Haydée com poucas meninas no staff, se eu insistir nessa coisa de duas fatalmente vai acabar vindo alguma merda, eu preciso me livrar dessa mania de duplicata, Paula e Fernanda, Monique (dentes grandes) e Nicole (olhos fundos), Roberto e Marcelo (cortes de cabelo iguais e bolas de vôlei idênticas), eu preciso esperar mais quatro horas até que a garota da Haydée chegue, a garota, una e indivisa. O que posso fazer até lá? Acho que eu vou comprar um livro e ficar lendo, Ulysses em versão mangá, sim, Ulysses do James Joyce acabou de sair em mangá, nunca consegui ler aquela merda, quem sabe agora eu consiga. Esperar, esperar, esperar, esperar, esperar. Esperar é a pior coisa que tem.



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APARTAMENTOS, um livro de Eduardo Haak

apartamentos (contos, ficção curta) eduardo haak, 2018 (Para navegar pelo livro, use as setas do canto superior esquerdo.)