INEXPLICÁVEL, Eduardo Haak

O sujeito que ligou do anúncio veio com a mulher comprar a SUV que estou vendendo. Eles têm uns quarenta anos e parecem aqueles portugueses toscos mas endinheirados da zona norte. Descemos pelo elevador ouvindo o barulho clan-clang dos andares sendo transpostos e entramos na garagem.

 

A diferença entre a mulher bonita e a feia é que a bonita é mais fácil de agradar, eu penso enquanto observo a mulher, seu corpo atarracado, seus dentes feios, seus cabelos pintados num tom de louro que não combina com a pele. O marido vai dar a SUV para ela, de presente de aniversário. Gastar cem mil num carro para esse bucho? Eu não daria nem um patinete usado.

 

Fechamos negócio, agora temos de ir ao cartório reconhecer firma, a mulher diz ao marido, vai dirigindo o outro carro que vou estrear esse, o senhor se importa de ir de passageiro comigo?, ela me pergunta. Olho para o marido, que imediatamente assente, isso, vão juntos que eu vou atrás. Ele se encaminha para o elevador, eu abro a porta do carro, me sento e prendo o cinto. A mulher entra, olha na direção dos elevadores e vê que o marido já foi, então me agarra e me dá um beijo na boca e depois chupa meu pau.

 

Na volta do cartório é ele quem me traz, nos despedimos com um aperto de mão e observo os dois carros seguirem em comboio até sumirem de vista.

 

Entro em casa, jogo no sofá as coisas que recolhi do porta-luvas, um binóculo de plástico, um celular velho, alguns CDs, e me sento numa poltrona. Ligo para Alice, oi-amor, posso ir até aí agora? Alice é minha namorada, ela tem olhos grandes, é alta, seu corpo é perfeito, o presente mais caro que já dei para ela não custou nem duzentos reais, ser elegante é ser comedido, etc. Alice responde, rindo, que assanhamento é esse agora, garotão? Acabamos combinando de ir ao cinema no final da tarde.

 

Então fico ali, sentado, olhando para o papel em que a nova proprietária da SUV me escreveu seu número de telefone. Ainda estou com a ereção que ela – ela, meu Deus – me provocou. Eu deveria rasgar o papel, pensar na coisa como um lance pitoresco, talvez até contar para Alice, cara mia, você nem imagina o que me aconteceu, ou talvez pensar racionalmente, que tipinha é essa que trai um marido que acabou de lhe dar um presente de cem mil reais?, mas não vou fazer nada disso, vou guardar o papel e ligar pra ela depois. Ereção, ereção, ereção, ereção, ereção. Algumas mulheres têm mesmo alguma coisa inexplicável.



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APARTAMENTOS, um livro de Eduardo Haak

apartamentos (contos, ficção curta) eduardo haak, 2018 (Para navegar pelo livro, use as setas do canto superior esquerdo.)