COCAÍNA, Eduardo Haak

Dirceu, ex-oboísta, trabalha como disc-jóquei numa casa noturna.

 

Os frequentadores da casa têm boa aparência, garotas com aquele jeito de faculdade cara em período vespertino, moda, cinema, artes visuais. Dirceu já saiu com algumas, embora sempre se sinta apreensivo quando isso acontece.

 

Uma vez uma quis usar cocaína no motel, Dirceu tentou dissuadi-la sem sucesso, o intercurso acabou sendo tenso, Dirceu passou o tempo todo observando a respiração funda e a agitação motora da jovem, pensando que talvez esses sintomas tivessem pouco a ver com o ato sexual, que talvez fossem o prenúncio de um colapso cardíaco ou de uma convulsão.

 

Um ex-colega de Dirceu na orquestra, um violista chamado Flávio, estava saindo com uma fulana que morreu de overdose quando eles estavam num motel. (Qual a diferença entre o violista e a prostituta? A prostituta conhece mais posições.) A autópsia revelou que a fulana havia ingerido cocaína, maconha, clonazepam, álcool e um medicamento veterinário usado para induzir aborto em éguas. Flávio teve que vender um carro para pagar os honorários do advogado criminalista e foi largado pela mulher. Dirceu, que se afastou da orquestra quando descobriu que estava com distonia focal – um distúrbio neurológico que costuma acometer músicos de alta performance –, não teve mais notícias do Flávio.

 

Apesar de ser frequentadora da casa noturna em que Dirceu trabalha, a garota com quem ele está entrando agora no motel não usa nenhuma droga ilícita. Ela também é atenta à autopreservação, só faz sexo oral com camisinha (tanto ela quanto Dirceu são casados), mas em compensação oferece uma chupada que leva o pênis de Dirceu até a garganta.

 

Dirceu tem dezenove centímetros e comprou por engano a camisinha extra large, que na verdade serve para pênis mais grossos que o normal. A camisinha está frouxa, a garota põe os dezenove centímetros para dentro da cavidade bucal e quando vai regurgitá-los a camisinha se prende em sua glote e escapa do pênis. Ela tenta respirar e não consegue, tenta puxar a camisinha e também não consegue, o engasgo e a agitação motora que a domina parece um quadro de overdose, o nervosismo provoca um aumento da alcalinidade em seu sangue e então ela desmaia.

 

Dirceu entra em pânico achando que ela morreu e começa a sacudi-la, ei, pelo amor de Deus, acorda! Olha para o telefone e pensa em ligar para a recepção e pedir ajuda, então descerra a mandíbula dela e puxa a camisinha e a observa pra ver se ela não se rompeu, o que pode ter deixado um pedaço de látex preso na garganta. A camisinha está intacta e Dirceu vê que a garota está voltando a respirar e que está se mexendo e tossindo, então ele se deixa cair na cama e respira fundo, sentindo o intestino entrar num estado de lassidão que logo criará um estado flatulento, um estado em que os gases pressionarão os esfíncteres, um estado que ele não reprimirá.



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APARTAMENTOS, um livro de Eduardo Haak

apartamentos (contos, ficção curta) eduardo haak, 2018 (Para navegar pelo livro, use as setas do canto superior esquerdo.)