CASAL, Eduardo Haak

Digo à minha mulher que vou ao clube treinar.

 

Eu faço esgrima ali na Rua Araújo, a desculpa do clube é perfeita, meu material fica lá e não tenho de explicar depois o fato de voltar para casa de banho tomado.

 

Antes leva o lixo, ela diz, sem tirar os olhos da TV.

 

Recolho os sacos na cozinha, saio ao hall, chamo o elevador de serviço. O elevador demora bastante e quando chega está lotado, preciso esperar que volte sem ninguém. Decido ir pela escada, desço os oito lances e enfim deposito o lixo na caçamba. Fumo um cigarro, depois chamo o elevador social e volto a meu apartamento.

 

Minha mulher não está mais na sala. Pego minha carteira, dou uma espiada e vejo que as quatro notas de cem estão mesmo ali, tenho toc com carteira, documentos, cartão de banco. Não vou levar o cartão, o que vou fazer só pode ser pago em dinheiro. Ando até a porta do quarto, dou uma batidinha e digo sem abri-la, amor, estou indo, tchau.

 

Ela não responde.

 

Tomo de novo o elevador e saio à rua. O flat da Kátia-19-anos fica a uns quatro quarteirões. Já estive nesse flat outras vezes.

 

Chego e me apresento na recepção. O porteiro interfona e diz meu nome, em seguida faz um gesto vago na direção dos elevadores, duzentos e três, segundo andar.

 

Subo. Toco a campainha.

 

Kátia abre a porta e nos cumprimentamos com um beijo no rosto. Surpreendentemente ela é mais bonita ao vivo do que nas fotos do site, embora tenha mais do que dezenove anos. Seu flat é bem arrumado e parece limpo.

 

Vamos para o quarto. Ela tira de um guarda-roupa uma toalha lacrada com plástico. Abro minha carteira, pego as quatro notas de cem e vejo que há uma coisa escrita no verso de uma delas. Olho as outras, também estão rabiscadas, é a letra da minha mulher, o que ela escreveu nas cédulas contém informações extremamente sigilosas a meu respeito. Não tenho como riscar por cima, ela fez uma letra grande que ocupou quase que o verso inteiro das cédulas. Vou ter de incinerar esses quatrocentos reais.

 

Digo à Katia que estou com um problema, depois marcamos outro encontro, o.k.?, peço desculpas e ela me conduz à porta e me despeço dela e ela fecha a porta.

 

Saio à rua.

 

Voltar para casa agora é impraticável, preciso espairecer, fazer alguma coisa, ir ao cinema ou parar num bar, o problema é que estou sem dinheiro e não trouxe meu cartão, então permaneço ali, parado em frente ao flat, pensando que o homem que não tem dinheiro é o homem mais inútil que existe.



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APARTAMENTOS, um livro de Eduardo Haak

apartamentos (contos, ficção curta) eduardo haak, 2018 (Para navegar pelo livro, use as setas do canto superior esquerdo.)