AR, Eduardo Haak

Diogo foi ameaçado pela ex-mulher, ou você arruma um trabalho e me ajuda com as despesas ou eu te boto na prisão.

 

Ela, que vem fazendo bicos como modelo, distribuindo folheto em estande de imobiliária, ganha tão mal que até parou de pagar o plano de saúde dela e do filho.

 

Provavelmente nenhum juiz mandaria prender um desempregado por não pagar pensão, mas Diogo decide que já está na hora mesmo de procurar alguma coisa, seu filho não pode ficar sem plano de saúde, aí acontece o que aconteceu com a menina do Valter, ela estava com meningite e na merda do hospital do governo disseram que era resfriado.

 

Diogo vai a uma agência e recebe duas ofertas de trabalho, uma para ser telemarketing e outra para ser coveiro, opta por ser coveiro, coveiro pelo menos não tem que ficar o dia todo num lugar fechado.

 

Faz os exames admissionais, etc.

 

O cemitério onde vai trabalhar é daqueles antigos, cheios de mausoléus e estátuas de anjos. Quem lhe ensina os procedimentos básicos de sepultamento e exumação é um sujeito chamado Nelson. Outra coisa que Diogo logo percebe é que aquele cemitério é cheio de gatos.

 

A mulher do Nelson, Clóris, vem quase todo dia dar ração para os animais. Ela explica que quem abandona gatos costuma escolher cemitérios para fazer isso.

 

Diogo e ela começam a conversar com frequência e um dia acabam entrando num mausoléu cujo portão não tem mais tranca e cujo sepultamento mais recente ocorreu em 1971. Na quinta ou sexta vez em que isso ocorre Diogo deixa de estranhar, fazer sexo ali não é muito diferente de fazer sexo num elevador.

 

Num final de tarde Nelson chama Diogo para ajudá-lo a preparar uma sepultura, ele diz, vai haver um enterro amanhã às dez, preciso fazer isso agora, amanhã só venho trabalhar depois do almoço. A caminho da sepultura, no setor mais antigo e afastado do cemitério, Nelson bate com um pé de cabra na nuca de Diogo.

 

Quando recobra a consciência, a primeira coisa que Diogo percebe é um barulho oco e abafado de madeira atritando com cimento e a segunda coisa que percebe é que não consegue se mexer.

 

Então abre os olhos e vê Nelson olhando para ele através de uma pequena janela circunscrita a seu rosto. Nelson sorri malignamente, cospe no vidro e tampa a janela, atarraxando sobre ela um plástico escuro com o desenho de um crucifixo.

 

Enquanto busca atenuar a aflição mantendo o corpo inerte e os olhos fechados, dada a escuridão e o espaço exíguo, Diogo pensa que o oxigênio dentro do caixão termina rápido, que a pessoa mal percebe e logo fica inconsciente, que ser enterrado vivo, portanto, não é a pior forma de morrer.



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APARTAMENTOS, um livro de Eduardo Haak

apartamentos (contos, ficção curta) eduardo haak, 2018 (Para navegar pelo livro, use as setas do canto superior esquerdo.)