Mario vê que o conjunto comercial ao lado do seu está em reforma e vai perguntar ao zelador.
O zelador responde, parece que vai ser um negócio de aleijado aí.
O prédio onde Mario trabalha tem seis andares e é usado por profissionais liberais.
Ao ouvir a palavra aleijado, Mario, que é oculista, imagina pessoas sem braços e sem pernas subindo no elevador com ele.
Desde pequeno Mario se sente incomodado com deficientes, uma vez na escola foi obrigado a dançar quadrilha com uma menina com síndrome de down, a visão dos garotos mais velhos rindo dele o traumatizou por anos.
A reforma termina e um cartaz é colado na porta, grupo de apoio aos portadores de deficiência auditiva. As reuniões começam a acontecer, sempre às quartas e sábados. A coordenadora do grupo é uma mulher jovem e atraente chamada Elvira e Mario, contrariando suas antigas disposições, logo se apaixona por ela.
Namorar uma portadora de surdez que fala e tem grande destreza na leitura labial desobriga Mario de aprender aquele idioma de sinais feitos com as mãos. O sexo com Elvira é uma comunhão eufórica e gratificante, seus gostos pessoais são compatíveis, ambos se sentem estimulados com a companhia do outro, um ano depois de se conhecerem Mario e Elvira se casam.
O casamento transcorre bem até que começa a transcorrer não tão bem e disso degenera numa convivência hostil.
Mario passa a implicar com o tom de voz de Elvira (“é alto demais, e às vezes ela parece uma retardada falando”). Outra coisa que Mario passa a detestar é quando vê Elvira conversando pela internet com um rapaz, sempre o mesmo, usando a linguagem das mãos (“acho grotesco, aquelas mãozinhas fazendo aqueles gestos rápidos todos, sempre saio da sala”).
O único prazer que agora Mario tem no casamento é quando põe pra tocar, enquanto almoça com Elvira, os áudios dele tendo conversas eróticas com outras mulheres. E o único prazer de Elvira é olhar para Mario, rir-se por dentro e pensar em todas, todas as coisas que o marido desconhece sobre ela por ignorar o alfabeto manual dos surdos-mudos.
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